terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Eu claustrofóbico (Trecho do livro Trilogia Suja de Havana, do cubano Pedro Juan Gutiérrez)


Fiquei muitos anos tentando me desprender de tanta merda que se acumulou em cima de mim. Não era fácil. Se você passar os primeiros quarenta anos de sua vida sendo um sujeito dócil, domesticado, acreditando em tudo o que lhe dizem, depois vai ser quase impossível aprender a dizer "não", "vão à merda", "me deixem em paz".
Mas eu sempre consigo... Bom, quase sempre consigo o que quero. Desde que não seja um milhão de dólares ou um Mercedes. Mas nunca se sabe. Se eu desejasse essas coisas poderia conseguir. No fundo é só isso que importa: desejar algo. Quando você deseja alguma coisa, com força, já está no caminho. É feito o arqueiro zen que lança a flecha sem pensar no alvo. E insiste nisso durante muitos anos que consegue acertar na mosca, com esse método que inverte a lógica.
Bom, quando comecei a não me preocupar com as "coisas importantes", as "coisas importantes" dos outros, e a pensar e agir um pouco mais para mim mesmo, entrei numa fase difícil. E fiquei muitos anos assim: à margem de tudo. Mantendo equilíbrio. Sempre na beira do precipício. Em outra etapa desta aventura que é a vida. Aos quarenta anos você ainda está a tempo de largar a rotina, o sufoco estéril e tedioso, e começar a viver de alguma outra maneira. Só que quase ninguém tem coragem. É mais seguro continuar na mesma, até o final. Eu estava endurecendo. Tinha três opções: endurecia, ficava maluco ou me suicidava. Assim era fácil decidir: precisava endurecer. [...]

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Fora, Temer!